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terça-feira, 9 de abril de 2013

Contos da Alice... Sobre Escafandros e Cães Raivosos (Parte I)

  Sobre Escafandros e Cães Raivosos

  Melancólico, é como Paulo se sentia no balcão daquele bar. Depois de quatro garrafas de cerveja e duas doses de uísque, não se sentia inebriado o bastante para esquecer. Acabara de perder o amor de sua vida, sendo jogado na mais profunda cova que uma mulher pode cavar. As desculpas que Ana dera não foram suficientes para convencer Paulo, segundo as palavras dela, ele estava sendo negligente quanto as suas necessidades, e não estamos falando de sexo, até porque segundo a própria, esse era o principal motivo da relação ter chegado tão longe. No fundo, Paulo sabia que esse era um fim anunciado, apenas não queria comprovar o fato. Romance nunca foi seu forte, sensibilidade também não. Sempre foi um homem pratico, sem rodeios, sabia agradar uma mulher de uma forma mais física. Discutir a relação era algo da qual ele fugia, como gato foge d´agua, ou o diabo da cruz. Sempre deixou claro o quão detestável era aquela maçante rotina de conversas. Esse sempre foi o motivo de rompimento das mulheres com as quais se envolvia. 
  O bar destilava um clima muito agradável naquela noite, a jukebox ressoava pelo ar as notas mais tristes de Buddy Guy, enquanto dois ou três grupos de pessoas conversavam de forma descontraída. Paulo apoiava os cotovelos no balcão, revelando seu estado de cansaço. Próximo dele haviam apenas o barman e um senhor que transpirava certa elegância, apreciando seu scotch uísque doze anos. 
- Noite difícil? 
- Põe difícil nisso.
- Presumo que seja um rabo de saia. Retruca o homem, com um sorriso de canto de boca.
- Sempre é não é mesmo.
  O homem faz um gesto de afirmativo com a cabeça e logo em seguida pede uma dose de uísque para ambos. 
- Filho, escute um conselho de alguém que já amou mais mulheres do que a quantidade de tiros que Clint Eastwood disparou com sua Magnum 44, as mulheres amam o que lhe são conveniente, não importa o quanto você ache que está se dedicando aquela relação, elas sempre apontarão as falhas, e você nunca conseguirá corrigi-las. Essa é a natureza das coisas.
  Aquelas palavras não amenizavam a dor que Paulo sentia no momento, mas geravam nele certo estado de conformidade, sabia que muitos compartilhavam a perplexidade do paradoxo feminino.
- O que podemos fazer é ignorar a romantica visão que as mulheres idealizam e treparmos o máximo que pudermos   finalizou o homem, ostentando feições de alguém que foi criado pela vida. 
- Amém – retruca o barman, oferecendo a saideira por conta da casa.

Continua...    

Contos da Alice... Mantra (Parte II)



  Meu sono foi conturbado, fragmentos de sonhos são tudo o que me resta nesta manhã fria. Num destes sonhos vi uma garota. Ou um relance de algo que interpretei mal. Tive a sensação de que o mundo todo queria gritar de dentro das suas entranhas. Entretanto senti uma paixão negra, exalando atração. Atração por uma ideia. Recordando-me, porém, encontro-me em uma situação de certa perplexidade. Ter emoções se tornou algo inacessível pra mim, logo, eu não poderia sentir atração ou algo do gênero. Mas aquele sonho me trouxe algo de Elemental, sobrepujando minha maldição.

  Troco-me rapidamente, e saio em direção à rua, preciso espairecer. As gotas geladas tocam meu rosto, toneladas de metal passam ao meu lado, com pequenas mãos guiando o curso de suas vidas, com suas dores e arrependimentos. Uma mulher esbarra em meu ombro no caminho, e então posso sentir novamente, sua ansiedade agora faz parte de mim. Pelo menos por alguns minutos sentirei o sabor de seu egoísmo latejando em minhas têmporas. Um pequeno sopro de vida totalmente corrompido. Na maior parte do tempo as pessoas transmitem apenas isso, emoções negativas. Entretanto tais emoções são o que há de mais puro em nossa essência, realçando cada detalhe de forma clara e intensa.

  Movimentando-me através de uma espiral com suas periféricas ondas escuras, o calor vai esvaindo-se de meu corpo, torno-me novamente um receptáculo vazio. Não posso dizer que gosto da sensação, carne e ossos se misturam a multidão, sem um proposito, sem um lugar. Enquanto mantenho-me no encalço de lugar nenhum, nessas fétidas ruas cobertas de um degradante cheiro de promiscuidade e vergonha, uma voz reverbera pelo ar e aguça meus sentidos. Encontro-me em frente a uma livraria, e através da porta de vidro observo, uma imagem fora de foco apenas, um único ponto que me atraí como um imã. Não me contento em apenas olhar do lado de fora, lanço-me na direção de minha inquietude, em passos lentos, porém firmes, não desvio o olhar durante um segundo sequer, e tudo que vejo é uma ideia, um proposito, o que vejo afinal é a garota do meu sonho.

  Não posso enxergar dentro dela. Não há nada em seus olhos. Uma ideia fixa-se como um vírus em minha mente. Talvez eu não seja único. Aproximo-me, a gravidade esmaga-me contra o chão, quero senti-la, mas não consigo, estou sedento por isso, mas é simplesmente impossível. Um frio exacerbado tenta colapsar meu senso de sobriedade. Por que é tão difícil? De forma involuntária cuspo uma palavra, ou melhor, um fonema qualquer.

- Ei.

- Oi, posso ajudar?

- Sim, eu acho.

  O silencio estático se propaga, penetro seus olhos de forma incessante, mas tudo que vejo se resume ao reflexo de mim mesmo.

- Tudo bem com você?

- Não sei muito bem.

- Procura alguma coisa?

- Sim.

- O quê?

- Você. 

Continua...

domingo, 7 de abril de 2013

Contos da Alice... Mantra (Parte I)



Mantra


  Dentro de um circulo perfeito, o ponteiro aponta duas e três da manhã. O minuto dele chegou. Inexoravelmente me sujeito, pois sou um escravo. Ele sussurra algo em meu ouvido. Faz tanto tempo que recebo suas visitas, que meu senso de alerta já não mais o detecta. Minutos, horas, dias, semanas, meses, anos. Sim, ele me absorveu, fazemos parte de algo único.  Nem sempre ele tem algo a me dizer. Às vezes permanece apenas estático, olhando - me, os olhos de um ladrão coronário, tocando minha consciência. Ele me disse uma vez:

- A única forma que eu tenho de pensar dentro dessa realidade, é usando a sua mente. Preciso que você compartilhe suas ideias comigo.

  As possibilidades são infinitas, ele me alvejou com uma nova percepção, ao mesmo tempo em que fui esvaziado. A única forma que tenho de sentir algo é em contato com outras pessoas. Eu vejo dentro delas. Eu sinto o que elas sentem. Mas às vezes o que elas sentem é demais pra mim. Não posso lidar com tanto.

- Vocês são criaturas fascinantes, mas não sabem como encontrar o ponto de ruptura. Entregam-se facilmente a seus instintos banais. Quando aprenderem a enxergar além desse tecido fino, saberão enfim, o quão belo pode ser deixar de apenas interpretar impulsos eletricos.

  Todos os dias nos últimos dez anos, eu o vejo, mas apenas por um minuto. Ele nunca me explicou o porquê, disse tão somente que um único relance de tempo era suficiente.

- Seus olhos não compreenderiam meu mundo. Quando não estiver mais preso a esta patética existência, talvez, e só talvez, eu possa lhe mostrar até onde vai à toca do coelho.

  Dessa vez ele sussurrou algo diferente. Nunca foi de seu feitio me pedir favores.

- Me faça um favor.

- O quê?

- Preciso que vá ver uma pessoa.

- Quem?

- Aquela que carrega o vácuo nos olhos.

- E o que isso significa?

- Você saberá.

- E onde vou encontrar essa pessoa?

  E antes que eu pudesse saber, ele se foi...

  Continua...