terça-feira, 9 de abril de 2013

Contos da Alice... Mantra (Parte II)



  Meu sono foi conturbado, fragmentos de sonhos são tudo o que me resta nesta manhã fria. Num destes sonhos vi uma garota. Ou um relance de algo que interpretei mal. Tive a sensação de que o mundo todo queria gritar de dentro das suas entranhas. Entretanto senti uma paixão negra, exalando atração. Atração por uma ideia. Recordando-me, porém, encontro-me em uma situação de certa perplexidade. Ter emoções se tornou algo inacessível pra mim, logo, eu não poderia sentir atração ou algo do gênero. Mas aquele sonho me trouxe algo de Elemental, sobrepujando minha maldição.

  Troco-me rapidamente, e saio em direção à rua, preciso espairecer. As gotas geladas tocam meu rosto, toneladas de metal passam ao meu lado, com pequenas mãos guiando o curso de suas vidas, com suas dores e arrependimentos. Uma mulher esbarra em meu ombro no caminho, e então posso sentir novamente, sua ansiedade agora faz parte de mim. Pelo menos por alguns minutos sentirei o sabor de seu egoísmo latejando em minhas têmporas. Um pequeno sopro de vida totalmente corrompido. Na maior parte do tempo as pessoas transmitem apenas isso, emoções negativas. Entretanto tais emoções são o que há de mais puro em nossa essência, realçando cada detalhe de forma clara e intensa.

  Movimentando-me através de uma espiral com suas periféricas ondas escuras, o calor vai esvaindo-se de meu corpo, torno-me novamente um receptáculo vazio. Não posso dizer que gosto da sensação, carne e ossos se misturam a multidão, sem um proposito, sem um lugar. Enquanto mantenho-me no encalço de lugar nenhum, nessas fétidas ruas cobertas de um degradante cheiro de promiscuidade e vergonha, uma voz reverbera pelo ar e aguça meus sentidos. Encontro-me em frente a uma livraria, e através da porta de vidro observo, uma imagem fora de foco apenas, um único ponto que me atraí como um imã. Não me contento em apenas olhar do lado de fora, lanço-me na direção de minha inquietude, em passos lentos, porém firmes, não desvio o olhar durante um segundo sequer, e tudo que vejo é uma ideia, um proposito, o que vejo afinal é a garota do meu sonho.

  Não posso enxergar dentro dela. Não há nada em seus olhos. Uma ideia fixa-se como um vírus em minha mente. Talvez eu não seja único. Aproximo-me, a gravidade esmaga-me contra o chão, quero senti-la, mas não consigo, estou sedento por isso, mas é simplesmente impossível. Um frio exacerbado tenta colapsar meu senso de sobriedade. Por que é tão difícil? De forma involuntária cuspo uma palavra, ou melhor, um fonema qualquer.

- Ei.

- Oi, posso ajudar?

- Sim, eu acho.

  O silencio estático se propaga, penetro seus olhos de forma incessante, mas tudo que vejo se resume ao reflexo de mim mesmo.

- Tudo bem com você?

- Não sei muito bem.

- Procura alguma coisa?

- Sim.

- O quê?

- Você. 

Continua...

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